domingo, 6 de fevereiro de 2011

Crônica - Simone Alves Pedersen

O VERBO REI

Outro dia, ouvi uma avó perguntar para o neto: “Você está ficando com alguém?”. Fiquei arrepiada. Minha avó nunca faria tal pergunta e eu jamais ousaria responder como o neto: “Não vó, tô só pegando umas por aí”. Os tempos mudaram, todos sabemos. Os verbos mudaram com o tempo também e se não tomarmos cuidado não conseguiremos mais nos comunicar com a nova geração. Já é impossível trocar correspondência com eles. As vogais enfraquecidas desistiram e pediram asilo em livros de reinos antigos. A guerra dos e-books Readers foi deflagrada. Hoje virou “hj” e cadê virou “kd”, que pode ser “cada” ou coisas muito piores. Na minha época, as pessoas namoravam, noivavam e se casavam. A moça era noiva: verbo ser, já que desistências eram raras. Hoje, os jovens não são mais nada, apenas “ficam” ou “pegam”. Pessoas não dizem mais “somos casados”. Com a alta taxa de divórcio é mais seguro se apresentar como “estou casado com fulana ou fulano, no momento”. Quem sabe como vai terminar a noite? Vai que ele – ou ela – decida “pegar” alguém... Tenho amigos que passaram por vários casamentos em suas vidas e ainda não chegaram aos cinquenta anos... Sei que ainda receberei convites de casamentos com um dos nomes repetidos. Mas em vez de Bodas de Prata ou Ouro, onde os dois nomes são conhecidos, na maioria das vezes nem chegamos a conhecer o cônjuge antes de receber o novo convite. Presente de casamento era coisa séria, importante. A partir do terceiro casamento, quem arrisca investir em um presente para a vida toda? Culpa de quem? Dele ou dela? Culpa da modernidade e da globalização. Lembro-me que quando era jovem um engenheiro se apresentava assim: “Sou o João, engenheiro mecânico da Ford”. O verbo ser passava segurança, firmeza, continuidade, era quase eterno. Sim, porque quem entrava em multinacional como aprendiz de ferramentaria, por exemplo, sabia onde bateria o cartão até a aposentadoria. Hoje, temos leitores ópticos, scanners, leitores de digitais e íris, apesar do número de funcionários ter reduzido drasticamente pela automatização das linhas de produção. Os departamentos eram complexos, com muitas vagas. Não havia terceirização de serviços como hoje e seus contratos que podem ser desfeitos num estalar de dedos, quero dizer, num clicar da tecla “enter”, facilitado pela curta validade, falta de aviso prévio, pagamento de FGTS, abono, proporcional de férias, festinhas com salgadinhos... Não existia “empregado inseguro”: a pessoa estava empregada ou desempregada. Conheço engenheiros que demitidos tiveram que mudar radicalmente de campo de atuação. Administradores que aceitaram salários quatro vezes menores para voltar ao mercado depois de três anos sem trabalhar. O verbo ter também se revoltou. Pensamos que temos alguma coisa, mas ele não existe mais. Mudou-se para outros hemisférios. Aqui no Brasil, não podemos dizer que temos um carro, o ladrão pode levá-lo no próximo farol. Usamos um carro. Não temos uma casa, pois se perdemos o emprego, a casa se transformará em tijolos comestíveis. O verbo TER sempre foi o bobo da corte. Ilusionista nos faz acreditar em mágicas vazias e momentâneas. Quem manda nessa terrena monarquia é o Chefe do Parlamento, o verbo ESTAR e seus assessores Ficar, Pegar e Usar. O verbo SER precisa ser coroado, antes que sobrem apenas súditos robotizados, cintilantes por fora e vazios por dentro.

SIMONE ALVES PEDERSEN
União Cultural - Vinhedo-SP

http://www.simonealvespedersen.blogspot.com/

Nenhum comentário:

Postar um comentário